sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Entrevista com Ariel Palácios

A conversa de hoje é com o Ariel Palácios, correspondente da GloboNews na Argentina. Abordamos, em sua totalidade, assuntos esportivos. Boa leitura.




- Ariel conte um pouco sobre sua vida/carreira.

Nasci em Buenos Aires, mas fui criado no Brasil (São Paulo, Londrina). A estimativa era ficar pouco tempo, mas foi passando, passando, passando. Com meus 7, 8 anos tive a ideia de fazer arqueologia, mas não havia campo para isso. Fosse no Peru ou México, tudo bem. Desisti disso e pensei em ser historiador, mas meus pais logo disseram que eu morreria de fome. E aí, por uma série de circunstâncias, acabei fazendo jornalismo em Londrina.
Confesso que se existisse, à época, a faculdade de Turismo em Londrina, eu teria ido por esse caminho. 

Fiz jornalismo para escrever sobre o mundo, e anos mais tarde trabalhei no El Pais (Madrid). Voltei e decidi passar as férias em Buenos Aires com minha namorada, hoje minha mulher. O que deveria ser momento de lazer tornou-se praticamente uma proposta, pois encontrei um colega do jornal El Pais, que me avisou sobre a possibilidade de ser corresponde brasileiro em Buenos Aires, pois em 1995 só tinha a Gazeta e Folha de São Paulo com essa proposta. Liguei para o Estadão, na louca, mas foi dando certo. Poucos meses depois veio a rádio CBN e a Eldorado, e após isso a GloboNews. Para finalizar, comecei a participar do Redação Sportv. Então, comecei em 1995 pelo O Estado de São Paulo, e em 1996 nos canais GloboNews.


- Nosso futebol está totalmente entregue aos facínoras da CBF. Quais seriam as saídas para reverter os 7x1 que tomamos todos os dias? (Estrutura, profissionalização, planejamento etc)

Confesso não ter seguido, em absoluto, a questão do futebol brasileiro desde que saí do país (em 1995). Mas de uma maneira geral, a América do Sul é um drama, com a cartolagem funcionando como uma tremenda burocracia estatal. Decisões são tomadas não por eficiência esportiva, mas sim na politicagem. Imagino que o Brasil não deva ter mudado quanto a isso, sem renovação de lideranças esportivas, com aquela coisa monárquica e lenta.

É um problema desde a profissionalização do esporte. O futebol deixou de ser uma atividade com comportamento cavalheiro, em que as pessoas respeitavam as regras. Deixou de ser um jogo em equipe para se tornar um esporte de estrelas. O futebol está em crise moral e administrativa faz 70, 80 anos. Décadas atrás havia uma identidade do atleta com o clube, bairro e cidade. Não existe mais esse vínculo afetivo nos dias atuais.

- Sabemos sobre a rivalidade futebolística Brasil x Argentina. Mas é verdade que os Hermanos preferem um embate, em Copa do Mundo, com os ingleses? Por quê?

Na verdade, entre 1910 e 1970, a ÚNICA rivalidade era com o Uruguai. Foi quando entrou, na década de 1980, a disputa com o Brasil. Porém, em 1982, com a Guerra das Malvinas, surge o embate com a Inglaterra. E isso foi além do futebol, pois tornou-se uma rivalidade geopolítica. Hoje em dia, se o argentino tivesse que escolher uma final contra algum país, seria com os ingleses.

No caso do Uruguai, é a mais antiga que existe, por tempo acumulado. Com o Brasil é mais nova, que foi alimentada com Pelé x Maradona, mas o Diego é carta fora do baralho desde metade dos anos 1990. Por outro lado, os argentinos adoram o Brasil: os argentinos adoram a música, as praias, a cultura brasileira. Os homens argentinos, especificamente, são fascinados pelas mulheres brasileiras. Há uma admiração generalizada sobre o Brasil na Argentina. E o sonho de alguns, naquela coisa idílica, seria abrir um boteco/pousada na praia. E essa inimizade no futebol deu uma caída porque o desempenho argentino nos últimos 25 anos não rendeu bons resultados, logo o interesse por essa atividade vai diminuindo.


- Certa vez, em entrevista, você chegou a dizer que o Maradona é racista, homofóbico e nada fez pelas pessoas que habitam em seu bairro de origem. Como você classificaria, hoje, a relação do povo com o Diego?

Sim, o Maradona é totalmente egocêntrico. Levando para o lado pessoal, é racista (muitas declarações racistas), altamente homofóbico, é misógino, sonegador de impostos – tendo sido processado quando atuou na Itália.

O Diego, politicamente falando, é camaleônico. Já respaldou, quando muito novo, a ditadura militar. Em seguida, respaldou o governo liberal do Carlos Menem. Continuando, também ficou ao lado do De La Rúa na campanha de 1999. Após isso, respaldou os protestos ruralistas contra a Cristina, mas em seguida ficou ao lado dela. Paralelamente, apoiava o neoliberalismo do Menem, mas ficou ao lado do Fidel Castro. Ele joga nas duas pontas.

Chegou a apoiar, por vezes, as ações das Avós da Praça de Maio, aquela organização de defesa dos direitos humanos que visa encontrar pessoas desaparecidas durante a ditadura. E tal instituição possui um banco de dados genéticos. Na contramão e contradição disso, Diego se recusou a fazer exames para comprovar, ou não, acusações sobre supostos filhos.

Outro aspecto do Maradona, ao contrário do Messi: nunca fez nada pelo Bairro Villa Fiorito (município de Lanús – Zona Sul da grande Buenos Aires), local em que nasceu. E ao contrário do que dizem, não é uma favela, e sim um bairro operário. Ele é um embaixador da aristocracia/neoliberais no Golfo Pérsico, e ao mesmo tempo faz campanha ao governo do Nicolás Maduro (Venezuela). Então, quer dizer, não é um cara engajado na defesa dos trabalhadores. Pode ter sido um excelente jogador, não nego. Mas como pessoa, a lista de dados diz exatamente o oposto.

- Como funciona o financiamento (governo/clubes) para as Barra Bravas?

Isso vem de anos, com coisas mais improvisadas, uma espécie de jagunções ao lado dos cartolas. Participavam de briga de torcida, mas sem ativismo. A partir dos anos de 1970 ficou mais forte, com essas pessoas fazendo trabalhos para a ditadura e denunciando os críticos ao regime militar – jogadores, por exemplo. Cresceram na década seguinte, e foi a partir dos anos de 1990 que começaram a ter maior controle nas áreas de vendas dos estádios. Quer dizer, o cara tinha lá seu carrinho de cachorro-quente e tinha de pagar uma espécie de licença aos Barra Bravas para poder trabalhar. Expandiram-se principalmente com a ditadura, e são usados por vereadores, prefeitos, como leões de chácara em campanhas.

-  O que aconteceu nos arredores do Monumental de Nunez durante a copa de 1978? (Pleno Regime Militar).

Pessoas foram torturadas nas imediações do Monumental – 10 quadras para ser exato -, e muitas dessas atrocidades foram feitas durante os jogos da Copa de 1978. 

- Qual a herança – se é que existe – da gestão de Julio Grondona à frente da AFA?

O cara comandou o futebol de 1979 até sua morte, em 2014. Ou seja, conseguiu ficar no poder, apesar de ter vencido apenas uma Copa, com muitas greves de jogadores, desvios de fundos e escândalos de corrupção. O saldo é deficitário, não há nada positivo. E apesar de tudo isso, manteve-se no poder, principalmente no governo da Cristina Kirchner, basicamente por intermédio da estatização das transmissões de futebol, com dinheiro do governo destinado aos cartolas. Dinheiro esse que sumiu. A herança é a estrutura mafiosa, com péssima administração. A AFA sempre funcionou mal. Uma bagunça.

- O brasileiro não sabe valorizar seu ídolo. Na Argentina a situação é inversa. Del Potro, Messi e Ginobili são exemplos mais recentes. Como funciona essa simbiose entre o fã e o ídolo? É apenas no esporte?

Há uma relação, dependendo do caso, bem doentia. E nem falo isso no aspecto esportivo. Aqui a relação política é intensa. O simpatizante de um político, por muitas vezes, é mais fanático – longe, longe, longe – do que no Brasil. Nem se compara. No esporte, tudo bem. Por muito tempo não se fez qualquer tipo de crítica ao Maradona. Mas hoje, após tudo o que ele fez, admite-se julgamentos.

 Então depende muito, porque o Messi foi muito criticado por anos, e só após declarar que poderia se aposentar da seleção, foi que a ficha caiu – dissociação entre realidade e imagem. Essa paixão se alastrou para outros esportes, por exemplo, o tênis, que possui uma torcida enorme.

- Com relação ao Messi, ele realmente está no patamar do Maradona ou já o ultrapassou?

Não costumo fazer essas comparações, pelo fato das posições e funções diferentes. Porém, avalio que o Diego sempre foi muito egocêntrico, puxando para o lado individualista. Já o Messi expande mais o lado coletivo. Maradona fala muito na 3ª pessoa, batia no peito e quem brilhava era apenas ele. Já o menino de Rosário não tem problema em dividir a glória com os demais companheiros. O Messi brilha e faz com os outros também consigam isso, domina o jogo. Maradona jogava muito para ele. 

- Prometi não abordar o cenário político, mas convenhamos que é praticamente impossível. Quais as avaliações dessa transição para o governo Macri, e o que esperar do mesmo? 

Sou muito cético sobre políticos. A crise continua, se agravou, e o futuro econômico é um mistério. A inflação continua, mesmo com uma leve reduzida agora. Então, talvez para 2017, a recessão termine no 2º semestre, mas sempre levando em conta o "talvez".

O governo Kirchner foi bom nos primeiros quatro anos, para tirar o país da crise, que já havia começado no final do governo Eduardo Duhalde. Após isso, mancada e mais mancadas. Por um lado, os argentinos estão aliviados pelo término do governo Kirchner, mas olhando o outro, não. O pessoal acha que as coisas são binárias.  No Brasil, por exemplo, acreditam que há uma mudança da água para o vinho. Terminou o mandato da Cristina, mas não quer dizer que a população esteja entusiasmada com o Macri. Não! Uma coisa é alívio, outra coisa é entusiasmo. Tanto é que continuam guardando seus dólares no colchão – metáfora para dizer que o dinheiro fica escondido em casa. Na Argentina, quando confiam no governo, elas investem.  E o argentino é tradicionalmente muito desconfiado, principalmente pelas SETE graves crises econômicas.

Quer dizer, quando o brasileiro fala em crise no seu país: a hiper do Sarney foi de 1100%. Já a hiper do Alfonsin, quase na mesma época, foi de 6000%. Aqui, especialmente na instabilidade entre 2001 e 2002, era normal encontrar um professor, ou até mesmo advogado, pedirem esmola nas ruas. Não são dois países que se possa comparar, com sistemas políticos e sociedades muito diferentes. Todos os países da região sul-americana são assim: Brasil não tem nada a ver com a Venezuela, que por sua vez não tem nada a ver com a Argentina.